A Editorial Teorema vai editar mais um livro de Eduardo Guerra Carneiro.

O Fidalgo teve o privilégio de ter acesso a um exemplar em ante-estreia, do qual vos mostra uma pequena estória que foi inspirada cá no nosso (vosso) restaurante.  



EDUARDO GUERRA CARNEIRO nasceu em Chaves, em 4 de Outubro de 1942. Publicou os seguintes livros de poesia: "O Perfil da Estátua" (1961, Col. Sílex), "Corpo Terra" (1966, Col, Espaço), "Algumas Palavras" (1969, Nova Realidade), "Isto Anda Tudo Ligado" (1970, Cadernos Peninsulares), "É Assim Que se Faz a História" (1973, Assírio & Alvim), "Como Quem Não Quer a Coisa" (1978, & etc.), "Dama de Copas" (1981, & etc.), "Contra a Corrente" (1989, & etc.), "Profissão de Fé" (1990, Quetzal), "Lixo" (1993, & etc.). Em 1994 publicou o livro de crónicas "O Revólver do Repórter" (Teorema). Está representado em diversas antologias de poemas e de prosa. Jornalista profissional, desde 1970, é também autor de argumentos, diálogos e textos para o Cinema, Televisão e Rádio.

As crónicas deste livro, na sua versão original, foram publicadas na revista "TV Filmes", entre Julho de 1996 e Abril de 1999.


In Outras Fitas Página 55


Viva a comédia!

    Eram seis meninas, num jantar de aniversário, num restaurante do Bairro Alto (O Fidalgo), e lá estava ele, sozinho, numa mesa em frente, ouvidos atentos à conversa. Falavam de festas, de roupas, de namorados. E, quase todas, à volta dos 19 anos, recordavam episódios com o pai de cada uma. Quando chegou a altura do Parabéns a você – a aniversariante chamava-se Mafalda – juntou a sua voz ao coro e ergueu o copo num brinde. Trouxeram-Ihe uma fatia do bolo de anos e, assim, uma certa cumplicidade se instalou na saleta. Eugénio, o patrão, aumentou a simpatia e ofereceu-1he um charuto cubano. À saída, ele perguntou à Mafalda qual o último filme que tinha visto, esperançado que fosse o Toda a Gente Diz que te Amo, do Woody Allen. Mas, surpreendido, ela falou-Ihe no Poder Absoluto, do Clint Eastwood, de que parece não ter gostado. E outro?, indagou ainda. O Paciente Inglês, respondeu a Mafalda. Desse já falei, disse ele, e despediu-se, deixando as seis meninas atrapalhadas com o insólito daquele questionário, quase a queima-roupa. Pois é, o tipo procurava um pretexto para ligar a fita do Woody Allen, que ainda não tinha visto, a uma situação que podia ter a ver com os enredos dos filmes desse realizador que ele tanto admira. Os pais divorciados, a psicanálise, o contraste das gerações e as aproximações inter-etárias. Para ligar mais as coisas, no dia de Santo António, patrono dos namorados, avançou, ao fim da tarde, até ao São Jorge, de tão gratas memórias, para ver Toda a Gente Diz que te Amo. E, mais uma vez ele agradece ao Woody Allen, o ter-lhe proporcionado momentos de quase exaltação, com esta comédia, mais que musical, de homenagem ao musical. Entre Nova Iorque, Veneza e Paris, a história gira à roda de encontros e desencontros, pontuada com momentos musicais, alguns bem divertidos, como a cena dos bailados num hospital ou na cena do velório do avô, com fantasmas bailarinos a insistirem que a vida são dois dias e nós já vamos no segundo. Depois há o enredo amoroso entre Woody Allen e Julia Roberts (cada vez mais bonita), com esse delicioso "jogging" pelo percurso labiríntico das ruelas de Veneza, junto aos canais, e o encontro nocturno, numa escadaria, com as "deixas" de Woody, ensinadas pela sua filha na fita, que sabia tudo da personalidade da outra, por tê-la ouvido e visto, às escondidas, em sessões de psicanálise.

O humor está sempre presente em Toda a Gente Diz que te Amo, com as personagens definidas pelo realizador, em diálogos certeiros e hábeis momentos musicais. De realçar a homenagem, quase no final, aos irmãos Marx, num Natal parisiense, e a apoteose, com a dança de Woody Allen e Goldie Hawn, com Goldie a flutuar sob as pontes do Sena. Saiu do São Jorge, também com vontade de dançar na Avenida da Liberdade e, como de costume, a sentir-se uma das personagens da fita que tinha acabado de ver. Agora, se voltar a ver aquelas seis meninas do início da história, especialmente a tal Mafalda, ele, sem razão aparente, irá murmurar apenas isto: Toda a Gente Diz que te Amo.